Nua na Argentina

 

Em dezembro a Argentina ferve. Para celebrar os protestos que ocorreram em 19 e 20 de dezembro de 2001 que culminaram com a derrubada do governo, a população vai às ruas nessa mesma data e a cidade para.
A proximidade da festa de Natal e o consumo desnecessário gera mais revolta e
Buenos Aires entra em ebulição.
Mas não são apenas as pessoas que estão quentes. A temperatura da cidade se assemelha ao Rio de Janeiro.
Foi nessa data que cheguei à capital do país.
Preparada para usar gorro e cachecol em Bariloche, aterrissei em Buenos Aires usando calça flanelada. Ia passar apenas uma noite na cidade e não pensei na diferença climática entre as cidades.
Do aeroporto fui direto para Hostel Art Factory. É um lugar peculiar. Tem as paredes grafitadas, portas feitas de madeira de demolição e oferece um drink grátis que pode ser consumido no bar ao ar livre no segundo andar ou no pub interno. Estava tudo perfeito, exceto pela minha calça flanelada e a camiseta encharcada de suor.
Eu havia embalado o mochilão na proteção plástica que se faz no aeroporto. Como ia pegar outro vôo no dia seguinte, não pretendia retirar a proteção apenas para pegar roupas leves. Essas proteções custam caro.
Fui para o bar ao ar livre tomar cerveja gelada. Ali a temperatura estava um pouco mais agradável. Porém, na hora que entrei no quarto o calor ficou insuportável. Era um quarto misto, mas não me importei com a presença masculina, arranquei as roupas e dormi apenas de calcinha.
Acho que mesmo antes de saber o que se passava no país, fui atingida pela energia anti-consumo. Percebi que não precisava daquelas roupas, ao contrário, precisava me livrar delas.
Entendi que não nos vestimos para nós. Nos vestimos para os outros, são eles que nos veem. Mesmo quando nos olhamos no espelho é para analisar como está nossa “imagem”.
Não cobrimos nosso corpo, cobrimos nosso medo de não ser aceito pela sociedade como ela se impõe. Nada é real.
A Argentina me arrancou as roupas, os disfarces. Me despiu corpo e alma. Assim sigo… livre.