Você não pode

 

Uma reflexão sobre os “nãos” que o mundo diz…

Eu estava na carreira de fotografia há 7 anos quando escolhi partir pra fotografia de cinema. Decidi participar de um workshop para conhecer o meio.
Antes de iniciar a aula, um aluno me explicou que a fotografia de cinema estava subdividida em dois setores, câmera e elétrica. O setor de câmera, segundo ele, era uma grande panela onde só entravam os estudantes de cinema. Já o de elétrica, era necessário muita força física, trabalho de peão mesmo, equipe 100% masculina.
– Não existe nenhuma mulher trabalhando na elétrica?
– No Brasil não.
– Perfeito! Vou me destacar. Vai ser fácil ganhar visibilidade e crescer rápido!
Ele ficou me olhando incrédulo, com cara de “que parte do você não tem a menor chance essa louca não entendeu!”.
Se eu consegui?
Bom, o jornal O Estado de São Paulo está aí dizendo que sim.
Sim, nós podemos tudo que quisermos! Mesmo que o mundo diga que não, e muitas vezes ele dirá.

A reportagem é sobre um longa metragem no qual eu fiz parte da equipe técnica. Foi rodado quase inteiramente dentro das favelas do Rio de Janeiro, o que leva a uma outra lembrança…
Conheci um ator num trabalho e sempre que nos encontrávamos ele tentava se aproximar, até que um dia ele me conquistou. Decidi passar a noite com ele.
Tive que ignorar mais alguns “Você não pode fazer isso!”
Eu, mulher, eletricista.
Ele, negro, morador da favela, ator de cinema e TV.
Duas pessoas que não escutaram quando a sociedade disse: “Você não pode.”
Sim, nós podemos sonhar juntos e depois acordar juntos, olhar para o mar sem fim no maior estilo Titanic acreditando sermos os reis do mundo, (apesar de não estarmos num navio e sim no morro do Vidigal).
Mas assim como o personagem do Leonardo de Caprio, nós tínhamos ingressado na “primeira classe”.

Então quando vejo que as pessoas que não sabem o que é discriminação e acusam quem a sofre de se fazer de vítima, como se não fizessem nada para merecer o que os outros recebem sem esforço, me lembro de quando tentei tirar DRT para trabalhar na elétrica de cinema. A pessoa responsável me deu uma lista do que eu precisava apresentar para provar que era apta para o trabalho. Também lembro do sorriso dele e algo que resmungou como “desista, isso não é trabalho de mulher”.
Dois meses depois voltei com todas as provas exigidas. O homem me olhou e sorriu novamente, mas o sorriso era diferente, sem graça. Então disse:
– Terei o enorme prazer em assinar o DRT da primeira mulher eletricista de cinema do Brasil.

Eu não me faço de vítima, não fico parada reclamando. Eu ajo. Eu sinto na pele.
E faço a minha parte para trazer a mudança no mundo. Por mim e todos aqueles que de alguma forma sofrem. Não julgo, levo junto. Minha voz tem todos os tons, mesmo que desafinados.