Ela perdeu a visão, não a coragem.
A liberdade de viajar o mundo acompanhada apenas de sua cão-guia
Por Melina Reis
Aos 14 anos fui diagnosticada com uma degeneração na retina chamada de Distrofia de Cones e Bastonetes, uma doença progressiva que faria eu perder a visão aos poucos, porém, os oftalmologistas diziam que a doença não se agravaria tanto e eu não ficaria cega. Na época, devido a idade, não me preocupei muito com isso, segui minha vida normalmente. Conforme o tempo passava, a minha visão piorava. Entrei na faculdade de Turismo, com bastante dificuldade para ler os livros, mas apesar das dificuldades, me formei!
Hora de ir para o mercado de trabalho, não conseguia arrumar emprego porque a minha visão já estava comprometida para leitura, como era um assunto novo para mim, ainda não conhecia os recursos de acessibilidade que no futuro seriam inseparáveis na minha vida!
Não podia deixar essas recusas me impedirem de trabalhar, foi quando montei a minha empresa de organização de excursões. Era responsável por tudo, cotação dos pacotes, divulgação, financeiro e até guia nas viagens.
Na época morando no interior de Minas Gerais, o negócio estava gerando frutos, porém, a família resolveu retornar para São Paulo. Tentei continuar com a empresa, mas não tive sucesso e precisei procurar emprego.
Foi quando, em 2007, arrumei meu primeiro emprego pela lei de cotas, em Recursos Humanos. Algo totalmente novo para mim, mas que me apaixonei e anos depois fiz minha Pós-Graduação em Gestão Estratégica de Pessoas.
Após uma desilusão amorosa e insatisfação no emprego, resolvi me aventurar morando 1 ano e 3 meses nos EUA, nessa época (2009) eu estava com 20% de visão. Trabalhei como baby-sitter, garçonete, limpando chapa de padaria… toda oportunidade que surgia e eu achava que seria possível eu fazer eu ia!
Até que precisei retornar no final de 2010 e percebi que eu estava enxergando muito embaçado, descobri que tinha desenvolvido catarata, coisa muito comum em quem tem problemas na retina. Com isso começou o processo de perda severa da minha visão.
E em 2011, com a dificuldade de andar sozinha, precisei encarar que eu realmente era deficiente visual e lidar com diversos “monstros” em minha mente.
O processo de aceitação foi um período bem delicado em minha vida, fiz terapia, terapia em grupo em uma Instituição para deficientes visuais, mobilidade para aprender a andar com a bengala, e eu mesma trabalhando em minha mente que não queria ser dependente dos outros e precisava voltar a ser independente. Foi um processo delicado que durou alguns meses, mas com muita persistência, paciência e apoio da família e namorado consegui vencer!
Em 2014 chegou em minha vida um anjo de 4 patas que de fato me traria a independência que eu queria de volta! Fui prestigiada com um cão-guia, a Hilary.
Precisava ter certeza que eu tinha minha autonomia de volta, para isso, quis fazer algo que eu gosto muito, viajar! Foi quando viajamos sozinhas pela primeira vez. O destino escolhido foi Curitiba, pois tinha pesquisado que a cidade era referência em acessibilidade.
Após chegar em Curitiba as coisas não foram tão simples, tive muito medo, mas não tinha investido naquela viagem para ficar dentro do hotel, trabalhei minha mente e comecei a passear pela cidade! Voltei com muitos amigos e história para contar!
Em 2016 a vida resolveu me pregar uma peça novamente, rompi um relacionamento longo (reatamos 1 ano e meio depois) e fui desligada da empresa onde trabalhava. Perdi totalmente o chão. Precisei mais uma vez me reerguer e me reinventar…
Foi quando decidi fazer algo que eu gostasse, viajar! Veio a ideia de escrever um Blog de Viagens, para poder mostrar para as pessoas que é totalmente possível um deficiente visual viajar, dessa forma conseguiria motivar outras pessoas também.
Muitas viagens aconteceram, oportunidades surgiram e eu fiquei ainda mais forte, e com a certeza de que todas podemos conquistar o nosso espaço, basta querermos, sair da zona de conforto e ir a luta!
A vida passa rápido demais, quero viver e fazer a diferença para o mundo! Se eu posso, todas podemos!
Não deixe que a vida passe diante de seus olhos sem que a tenha aproveitado muito!
#PraCegoVer Na foto A Mel está dançando pole dance na beira da laje de um prédio de 12 andares, que não tem cerca. Ela está em pé, com uma mão segurando na barra a outra perna cruzando a barra. A foto imita uma capa de revista, com o título ESTRELAS #02 Mellina Hernandes Turismóloga, Blogueira, Deficiente Visual. Do lado esquerdo está escrito “A liberdade de viajar o mundo acompanhada apenas de sua cão-guia.”
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Fotos: Camila Caggiano
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