Conduzindo Dona Eva

 

Eu estava no estacionamento de um laboratório na cidade de São Paulo onde fui fazer alguns exames, esperando meu carro, quando uma senhorinha usando bengala se aproximou, e olhando para a tatuagem no meu ombro perguntou.
– O que que te mordeu?
– Uma borboleta. – respondi me divertindo com a pergunta dela.
– E como tira isso?
– Mordidas de borboletas são pra vida toda, senhora.
O meu carro chegou. Ela perguntou:
– Em que direção você vai?
– Para cima.
– Ah, pena eu vou para baixo.
– Mas eu posso ir para baixo. – respondi apontando a porta do passageiro.
– Obrigada.
Ela entrou no carro e disse que desceríamos dois quarteirões. Na verdade foram 10, mas nunca me preocupei com distâncias.
– Qual é a sua religião? – perguntou ela com um sotaque forte que eu ainda não tinha identificado.
– Não tenho religião, sigo algumas filosofias. Kabbalah… – ia continuar mas ela me interrompeu curiosa.
– O que é isso?
– Uma filosofia de origem judaica.
– Você é judia?
– Não.
– Então não siga isso. Filosofia você segue a grega, religião é outra coisa.
Cada vez mais eu me divertia com Dona Eva. Ela me contou que era de Atenas, eu disse que já havia estado em Atenas e adorado a cidade e as pessoas. Então ela falou sobre o judaísmo e sobre os terríveis atos de Hittler. Dona Eva veio pro Brasil na época da segunda guerra mundial e tinha pavor daquelas histórias.
– Esqueça a Kabbalah. Estude filosofia grega. – falou com o forte sotaque que agora eu conhecia a origem.
Obviamente que com a educação que recebi jamais deixaria uma senhora de bengala descer a pé se eu podia levá-la. Mas o que Dona Eva não sabia era que por causa da Kabbalah eu levaria qualquer pessoa (claro, reconhecendo não haver riscos).
Lembro que estava em Piedra Parada na Argentina quando um amigo chileno me perguntou por que eu ajudava todo mundo. Respondi que por isso sempre recebi tudo que precisava. “Então você faz para as pessoas te darem algo em troca”. “Faço sem esperar nada da pessoa, quem devolve é o universo, pois essa é a energia que crio”.
Mas essa era a minha história.
Foi um grande prazer escutar a sabedoria de Dona Eva com toda sua vivência. Dentro de sua história, ela estava certa. Aquilo foi o que o mundo a ensinou, quem era eu pra ensina-la! Estava dentro do meu carro uma mulher me contando o que viu da segunda guerra mundial!  Eu não precisava dizer à Dona Eva o quanto eu estava feliz seguindo a Kabbalah e o Tao, Dona Eva já tinha histórias demais. Nossa curta convivência foi maravilhosa. Dona Eva confiou na tatuada desconhecida e me fez reviver os tempos pela Patagônia recebendo caroneiros e suas histórias. E aprendendo…
Ao descer do carro me mostrou onde passa todas as tardes e me convidou para tomar um café algum dia, ou ir na festa beneficente do sábado.
– Tchau Atenas. É assim que vou te chamar, não como minha cidade, mas como a Deusa.
Tchau Dona Eva, no meio de tantas discórdias essa foi a que tornou meu dia melhor e me fez acreditar que ainda há respeito no mundo.