“A entrada de serviço é por ali senhora”

 

…e assim começou mais uma noite de um sábado de trabalho. Não é uma situação comum na minha vida, mas já ouvi algumas vezes e não me incomodava. Quando passou a me incomodar? Algo que jamais esquecerei.
Em novembro de 2015 fui pra Punta del Este fotografar um casamento. Eu deveria estar feliz, sabia quantas pessoas desejavam aquele trabalho. Mas eu não estava. Não pelo trabalho, mas porque eu havia acabado de sair de um relacionamento, ou melhor, ser saída dele, e só o que eu queria era chorar. Mas eu tinha um ótimo relacionamento com a fotógrafa que eu prestava serviço e não podia deixar ela na mão, ela precisava da pessoa de confiança dela num trabalho daquela dimensão. Então vesti o meu melhor sorriso e fui.
A equipe de organização sempre nos manda com antecedência em eventos como esse, não podem correr o risco dos fotógrafos não chegarem por causa de um vôo cancelado ou coisa semelhante, então chegamos em Punta alguns dias antes do evento. Preocupada com o bem estar da equipe, como de costume, recebi da minha “chefa” uma quantia suficiente para comer em restaurantes bons. Mas lógico, optei guardar os dólares para a próxima viagem de escalada e fui comer junto com o resto do staff, os garçons, copeiras… todos os outros brasileiros contratados para o evento.
Entrei no restaurante do hotel onde a equipe estava. Havia uns dez garçons, duas copeiras e o maitre reunidos em duas mesas. Eu conhecia, por encontrar em muitos eventos, uma das copeiras. Me aproximei da mesa e perguntei se podia me sentar com eles. Imediatamente surgiu um lugar para mim. Fui até o buffet e peguei um pedaço de pizza.
– Como estão seus dentes? – perguntou o maitre quando me sentei. Todos riram, a pizza era um pedaço de pau.
Peguei um tigela de sopa de abóbora.
– E essa, está boa? – perguntei a ele.
– Claro! Última novidade de Paris. Sopa da casca da abóbora. Você pega a abóbora, tira a casca, reserva a abóbora para outra receita. Coloca a casca na água, ferve e sirva!
A risada foi unânime. Tinha senso de humor o maitre, logo a noite foi muito divertida.
No dia seguinte nos reencontramos todos, dessa vez vestidos de terno, trabalhando na grande festa.
Na hora do jantar fui até o buffet da festa e vi as copeiras acenando para mim sorridentes.
– Oi! Tudo bom! Pega essa massa aqui, é o melhor prato!
Me servi e me sentei numa mesa afastada no jardim. Um garçom me viu, perguntou como eu estava e o que eu queria beber. Agradeci, disse que não queria nada. Pouco depois ele me serviu um suco num copo decorado com uma fatia de limão. Durante toda a noite, quando cruzava a equipe circulando pelo salão fazíamos piadas rápidas.
Eu tinha chegado muito triste na cidade, mas aquelas pessoas transformaram o que poderia ser um tortuoso dia de trabalho numa alegria que eu não sentia havia semanas.
No mês seguinte passei o final de ano isolada no meio do mato. Foi um momento de introspecção que enraizou definitivamente todo aquele amor que recebi, mas esse é um capitulo a parte.

Isso aconteceu no final de 2015. Voltando a noite daquele sábado…
– A entrada de serviço é por ali senhora.
Isso nunca tinha me incomodado, porque sempre fui respeitada pela sociedade e situações como essa não me humilham por não fazerem parte do meu cotidiano.
Mas faz parte da vida daquelas pessoas que me ajudaram em Punta Del Este e elas passam por isso fazendo piadas. Essa atitude arcaica retira a dignidade das pessoas e gera conflito, violência, porque nem todos vão sorrir e aceitar calados a humilhação de passar a vida andando pelo elevador de carga e descarga.
O que quer o homem com a arma na mão? Quer respeito, quer amor. O que quer o politico que rouba milhões para viver cheio de luxo? Quer respeito, quer amor. Faces negativas de uma sociedade doente que objetificou o amor e se perdeu.

Uma vez me perguntaram por que a loucura de largar uma carreira sólida, com um bom salário. Não sei explicar, só sei que eu tinha que sair antes do dia que me dissessem: você pode subir por esse elevador, mas eles tem que subir pelo outro.

 

“Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Mahatma Gandhi