Arruma a mochila e vai!

 

“Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.”   Cora Coralina

 

Quantas vezes ao longo da nossa vida não precisamos remover as pedras e recomeçar?
Trabalhava em um ONG e uma bela manhã fui desligada das atividades. Por um ano, plantei roseiras, fiz doces e recomecei.
Sou palhaça hospitalar, formava turmas, ministrava oficinas e de repente a pergunta:  por que não unir duas paixões?
Chamei filhos e noras para uma pizza e anunciei – mamãe vai fazer um mochilão pelo Brasil.

Todos surpresos mais o apoio foi imediato. Coloquei meu apartamento para alugar e comecei a preparar a viagem. A ideia era conhecer grupos de palhaços que atuam em hospital, ministrar oficinas e visitar hospitais.
Dia 13 de fevereiro de 2018 era a data de saída e sem data de retorno. Tudo pronto mas nada de alugar o apartamento que seria a renda fixa mensal. Na conta R$600,00 reais e na mochila todos os sonhos do mundo.

Sigo no auge dos meus 54 anos para a grande aventura de viajar sozinha e praticamente sem dinheiro. Descobri um pouco antes da viagem a Worldpackers, plataforma que faz a ponte entre viajantes e hostel. Trocamos trabalho voluntário por hospedagem e resolvi experienciar. Será que o anfitrião aceitaria alguém com a minha idade, afinal, hostel e um ambiente tão jovem? Como será dormir em quarto compartilhado e banheiro compartilhado?

Fui aceita em todas as solicitações de hospedagem e compartilhei quartos, banheiros, cozinhas com pessoas de todas as idades e muitos tornaram-se amigos para um vida toda.

Durante a caminhada fazia contato com grupos de palhaços e programava uma oficina, sempre com um valor simbólico que gerava uma renda para seguir em frente.
Passava em média 15 a 20 dias em cada local, em outros demorei um pouco mais. Não tem como pisar na Floresta Amazônica e ficar só um pouquinho, por lá foram duas vezes e na segunda fiquei três meses.

Mochilei por dois anos, fiz 55 e 56 anos na estrada, longe da família mas entre amigos. Para toda escolha há ganhos e perdas. Vivi experiências incríveis. Tinha minha viagem planejada, há viajantes que não gostam de planejar, vão seguindo sem norte.
Gosto de planejar, de estudar os caminhos, os lugares, e isso não significa que a viagem é engessada. Se o vento sul bater, voo com ele e foi assim que vivi os melhores momentos e logo depois, volto para o norte.
Quando viajamos com pouco recurso o planejamento é fundamental.

Cada estado trouxe uma surpresa, todo caminho difícil te leva para o paraíso e creiam, é isso mesmo.  Não foi fácil chegar em alguns lugares, viajei de avião, carro, ônibus, barco e no final conheci lugares e pessoas com histórias encantadoras e inesquecíveis.

Conheci pescadores, indígenas, professores, refugiados, pessoas de comunidades que transformam com poucos recursos. Fui batizada em uma aldeia, dancei carimbo, brega, tambor de criola, presenciei congada, cavalgada, procissão, capoeira, sertanejo, cururu, provei milhares de sabores, nadei em mar, rio, cachoeira, vi um Brasil que não está nos catálogos turísticos.

Nosso país é lindo, o povo generoso e acolhedor. As diferenças culturais, sotaques, vocabulários, culinária, são grandes. Em cada estado existe um Brasil com uma identidade marcante.

A vivência dos 10 anos trabalhando e voluntariando como palhaça em hospital trouxe uma visão de mundo bem diferenciada da que tinha antes de iniciar esta jornada. A vivência de viajar sozinha trouxe mais um aprendizado transformador.  Não sou mais a mesma que iniciou a viagem e nem poderia ser.

Aprendi que podemos viver com pouco, muito pouco. Que quanto mais simples e humilde as pessoas são, maior é sua generosidade e acolhimento. Aprendi que compartilhar nos aproxima das pessoas com uma intensidade que muitas vezes passamos uma vida sem ter com quem vive ao nosso lado.

Que o peso da mochila tem o peso dos nossos medos. Quanto mais medos mais pesada ela fica. Iniciei com 16kg e hoje são 10kg, logo percebi que não precisava carregar tantos medos. Aprendi que os sonhos podem ser realizados.

Foram dois anos e muitas histórias vividas, passei por 23 estados, 14 hostel anfitrião, casa de amigos, Couchsurfing, 14 oficinas, 8 visitas em hospital, 2 aldeias indígenas, 3 intervenções na rua, 5 oficinas de biblioterapia e voltei com os R$600,00 reais na conta.

No ano de 2020 estava a caminho dos outros países da América do Sul, em março começaria pelo Uruguai com minha companheira mochila. Ainda estou por aqui, plantando roseiras, fazendo doces enquanto o mundo se organiza. Com a certeza de que podemos em qualquer tempo e em qualquer idade – Recomeçar.