Escalada Tradicional – Olhando além…

 

Nosso modo de vida pilhado, cheio de parafernálias que, supostamente, nos trazem conforto e comodidade, também traz a constante sensação de estar correndo atrás do tempo…da vida. Nesse contexto, atividades ao ar livre que possibilitam não apenas o contato com a natureza, mas também uma pausa na intensa rotina, ganham espaço. Um mundo de atividades outdoor, antes pouco conhecidas pelos brasileiros, salta aos olhos nos noticiários da TV, documentários e nas mídias sociais. O fato é que só de olhar por meio de uma telinha, essas atividades reativam substâncias e sensações adormecidas em nosso corpo. Entre elas não poderia faltar a escalada em rocha, uma das minhas paixões, algo tão potente capaz de transformar totalmente minha vida.

O meu primeiro contato com a escalada, assim como para muitas pessoas, aconteceu em um ginásio de escalada na cidade de São Paulo, uma ótima forma de começar e conhecer a escalada esportiva e o boulder, duas modalidades que estimulam o desenvolvimento de técnica, força e resistência e podem ser praticada por iniciantes até atletas de alto desempenho, tem adrenalina garantida pra todo mundo. Normalmente nos ginásios começamos praticando o top rope, quando a corda já está fixada lá no alto, enquanto uma pessoa escala, a outra da segurança, já no boulder, escalamos sem corda e temos um colchão para nos proteger nas quedas, o que é muito divertido porque permite começar a se conectar com posições e movimentos que desconhecíamos sem muitos apetrechos. Na natureza, a escalada esportiva e o boulder também acabam sendo as primeiras opções de quem está começando, já que as duas modalidades normalmente são praticadas em locais que exigem caminhadas relativamente curtas, e o ambiente, normalmente mais controlado, acaba incentivando a socialização.

Mas de onde vem esse ímpeto de subir uma parede de rocha? A escalada, em suas origens, está totalmente conectada ao espírito do montanhismo, o que poderíamos resumir, em minha visão, como a busca do ser humano de olhar além. E o cume de uma montanha é o lugar mais propício para isso, não é mesmo? O grande lance é que no caminho somos obrigados a nos conectar com nossas sensações físicas mais básicas como: calor, sede, fome, dores, medos e sono, e conforme vamos entendendo cada uma delas para que não sejam um impedimento de alcançarmos nosso objetivo, abrimos espaço dentro, e o alcance de nossa visão quando chegamos no cume depende desta trajetória. Claro, que o que acabei de descrever não está restrito à prática da escalada e do montanhismo, e praticantes de outras atividades provavelmente vão se identificar muito com esse espírito.

A Escalada Tradicional, entre as suas várias práticas, no geral mantém a disposição de enfrentar essa jornada ao cume. Por isso, quando falamos nesse estilo, em geral incluímos a possibilidade de longas trilhas, montar acampamentos avançados, encarar as condições técnicas, climáticas e psicológicas como parte de todo o processo, outra característica importante é a utilização de proteções naturais, como árvores, bicos de pedra, além de buracos, fendas e pequenas fissuras. O que não significa que seja um estilo restrito para poucos, assim como a escalada esportiva e o boulder, há espaço para todos.

 Antes de termos amplo acesso a equipamentos de escalada, os escaladores das antigas tinham que se virar, utilizando soluções criativas para qualquer escalada. Emendar cordas, entalar nós, cunhas de madeira ou metal muitas vezes eram os únicos recursos. Com o desenvolvimento tecnológico vieram as peças passivas, conhecidas como nuts, e ativas, conhecidas como Camalots ou Friends. Passivas porque têm formato fixo e devem encaixar o melhor possível ao local de proteção, já as ativas têm essa denominação porque possuem algum mecanismo dinâmico para engatar efetivamente a peça ao buraco ou fenda desejado, cada tipo de peça tem sua aplicação, portanto a diferença não significa que uma é mais segura que a outra. Esses equipamentos chegavam com dificuldade por aqui e sempre foram muito caros, é aí que entram os clubes e associações, formas de organização antigas dos montanhistas. Antes das facilidades da internet, os clubes tradicionalmente reuniam seus participantes para compartilhar mapas, croquis e equipamentos, discutir a prática da atividade e as técnicas mais atuais. Os clubes ainda hoje são uma ótima porta de entrada para iniciantes, eu, particularmente tenho o Centro Excursionista Universitário como meu clube do coração, foi lá que virei a chavinha da escalada esportiva para a escalada tradicional, onde recebi incentivo e também conhecimento técnico. Outra função dos clubes pouco falada e reconhecida é o registro da história de seus participantes e também das áreas onde se propõe a atuar. Por serem uma organização coletiva e normalmente voluntária, os cursos de escalada dos clubes costumam ter valores mais acessíveis para conteúdos mais abrangentes.

Além dos clubes, sempre foi prática na escalada tradicional, algo mais próximo de uma mentoria informal, onde um escalador mais experiente passa seu conhecimento a um mais novato, essa prática estimula que ora nos coloquemos na posição de discípulo, ora de mentor. Como forma de calibrar o ego, não recomendo ficar em apenas uma dessas posições permanentemente, um tiro no pé pra auto-estima de qualquer um.

Por fim temos os cursos particulares, e com todo o tipo de conteúdo, é importante procurar entender a sua finalidade, procure informações sobre o instrutor ou instrutora que escolher e, principalmente, sinta se rola afinidade e empatia no contato, se sair de um curso com mais medo do que quando entrou provavelmente há algo errado aí.

 

O Projeto Fissuradas, idealizado por mim e minha amiga e parceira de escalada Endy Arthur, nasceu em 2019 com o desejo de divulgar, desmistificar e incentivar a escalada tradicional, especialmente entre as mulheres.

Acompanhe a nossa trajetória em nosso perfil do instagram ou no youtube. Espero voltar em breve pra falar mais sobre a escalada feminina.

 

 

Leia também:

Como começar na trilha