Nômades no mar

 

Moro a bordo do veleiro Balanço há quase 4 anos.
O barco é sincerão, balança mesmo.
Antes de me mudar com o meu marido Adriano de uma casa de 400 m2 em Cotia – SP para o veleiro de 34 pés que estava em Rio Grande – RS, navegamos pelo menos uma vez por mês por 8 anos em Paraty – RJ.
Isso fez toda a diferença para a adaptação no novo estilo de vida, porque nós tivemos tempo de entender como seria a nossa rotina na vida a bordo.

Um barco não é como uma casa. O barco balança.
Mas a experiência de poder viver em tantos lugares lindos com um custo tão reduzido me fez pensar que essa seria a minha versão particular de trabalhar e morar em uma estação espacial. Já pensou que louco?

O próprio barco é uma viagem a parte, pois o compromisso com a manutenção está diretamente ligado a garantia da segurança física de quem está a bordo. Se você vir um problema qualquer, não vai correr o risco de esperar pra consertar já que o barco pode afundar. Muitas coisas precisam ser consideradas na compra do barco e por isso a gente contou, em 2013, com a ajuda de um profissional conhecido como broker para nos orientar na escolha de um modelo usado de 26 pés.

Desde 2002 eu e o Adriano trabalhamos juntos produzindo vídeos. Tínhamos uma produtora em São Paulo. Em 2012 ele decidiu gravar uma entrevista com um casal que morava a bordo de um veleiro em Angra dos Reis – RJ e eu editei essa entrevista. Nascia ali o canal #SAL no Youtube que a partir de 2017, com o início do financiamento coletivo Apoia.se, passou a ser a nossa principal fonte de renda.

O #SAL viabilizou totalmente a escolha pela vida a bordo. Quando vendemos o barco de 26 pés em Paraty e fomos de carro até Rio Grande pra comprar o veleiro Balanço, os velejadores de lá já conheciam o nosso trabalho pelo YouTube e nos receberam com muito carinho.
Ficamos uma temporada de 7 meses atracando nos vários clubes de vela na Lagoa dos Patos onde gravamos episódios em Porto Alegre que nos surpreendeu pela quantidade de veleiros, pela vida náutica nos clubes e pelo pôr do sol com as cores mais impressionantes que já vi até hoje.

Passamos algumas semanas nas cidades de Tapes e um lugar chamado Capão da Lancha, com um cenário que lembrava os filmes de Guerra nas Estrelas.
Fomos pra São Lourenço do Sul, onde fica a Casa das 7 Mulheres da história da Revolução Farroupilha.
Depois navegamos até a cidade de Pelotas e vimos o costume dos velejadores de atracar o barco no meio do mato em barrancos pra curtir a paisagem dos campos.

Foi difícil sair do Sul por causa da quantidade de amigos que fizemos, mas marcamos a travessia de Rio Grande – RS pra Florianópolis – SC que é considerada a mais difícil do litoral brasileiro. É preciso aguardar uma frente fria com duração de 4 dias, no mínimo, pro veleiro poder ser puxado pelo vento (sim ele é puxado pelo vento). Não existe um só lugar para ancorar no meio do trajeto desses 3 dias, ou cerca de 80 horas, e se por acaso o barco tiver já navegado uns 2 dias e a direção do vento inverter, é necessário que o barco volte para Rio Grande, velejando os 2 dias de volta, porque a navegação se torna quase impossível para Florianópolis.

Eu desci do barco em Rio Grande e fui substituída por 3 amigos gaúchos que se revesaram no leme em turnos com o Adriano. Fui de ônibus pra Floripa.

Quando nos encontramos, com a ideia de passar 1 mês na região, tivemos que mudar os planos porque não vimos nenhuma ancoragem que o mar tivesse calmo o suficiente pra ficar a bordo. Foram noites sem dormir chacoalhando como se morássemos numa coqueteleira. Aguentamos 2 semanas e “subimos” para a cidade de Porto Belo – SC onde encontramos lugares mais abrigados dos ventos. Me lembro da praia da Sepultura. É muita linda.
Depois navegamos até a cidade de Itajaí – SC e gostamos muito da estrutura. Pensamos até que poderia ser uma cidade bacana pra gente considerar morar um dia. Depois de 1 mês em Itajaí, subimos para São Francisco do Sul ainda em Santa Catarina.

Foi na saída dessa cidade para Paranaguá que vivi a pior experiência em uma travessia. Fizemos uma leitura equivocada da meteorologia antes de sair e enfrentamos ventos e ondas que sacudiram o barco de um jeito que eu quase caí no mar a noite sem a visualização de nenhuma luz por causa da tempestade. Eu escorreguei e estava sem colete e sem a linha da vida. Bati as costas em uma parte da cobertura de lona da cabine, conhecida como dog house e isso me salvou a vida. O Adriano pediu pra eu assumir o leme, e foi tentar recolher as velas na proa do barco. Ele gritava pra eu colocar o barco contra o vento, mas o vento não tinha uma direção definida. O vento vinha em redemoinhos.
Foi tenso, mas teve uma hora que conseguimos. Quando o Adriano voltou para assumir o leme e disse que estava tudo bem, eu virei pra trás pra vomitar. Foi uma reação de desespero, mais do que de enjoo em si.

Finalmente chegamos em Paranaguá inteiros depois de umas 10 horas de navegada. E aí conseguimos dormir.

Fomos super bem recebidos pelos velejadores paranaenses. Navegamos até a cidade de Antonina que é um dos 2 lugares no Brasil onde o mar mais entra no continente, às vezes eu pensava que era um rio. Toda a região tem paisagens muito lindas. Ancoramos também na famosa Ilha do Mel e ali perto na Ilha das Peças onde nunca tínhamos visto tantos golfinhos num lugar só. Tentamos atravessar o Canal do Varadouro, que cruza os estados do Paraná pra São Paulo, mas a maré não permitiu. Encalhamos.

Voltamos e chegamos na Ilha dos Papagaios onde vimos uma cena surreal no final da tarde: centenas de casais de papagaios voam pra lá no fim da tarde pra dormir.

Velejamos até Cananéia e conhecemos uma parte do litoral Sul de São Paulo que eu nunca tinha visto. Pela primeira vez me deparei com um jacaré na água perto do barco.

Ficamos um tempo em Santos, Guarujá, Bertioga, Ilhabela, Ubatuba, todas tão conhecidas da minha vida toda, mas nunca vistas do mar pra terra.

Então o nosso veleiro Balanço, que foi construído em 1989, chegou em Paraty e mostrou pra gente como ele fazia a travessia pra Ilha Grande mais rápido do que estávamos acostumados com os nossos veleiros anteriores.

Quando chegamos em Angra dos Reis, aconteceu a pandemia. Tivemos que ficar parados em uma marina que nos convidou. Por 7 meses nāo pudemos sair para nenhuma ilha. Era proibido descer até para pegar água. Os supermercados locais passaram a atender pelo site e fazer entrega, então ficamos por ali mesmo.

O isolamento no barco já era algo que estávamos de alguma forma acostumados. Trabalhamos muito pra produzir um vídeo por semana pro #SAL e nesse período lancei também um outro canal no YouTube pra falar especificamente da experiência de ser nômade: o Nômade_ali.

A maior lição que aprendi até agora, em quase 4 anos, na minha “cápsula de sobrevivência” conhecida como Balanço, é a lição da nossa capacidade de se adaptar. E o maior prazer é o de conhecer tantas e tantas pessoas e suas histórias de universos tão particulares.

 

Assista no YouTube os canais Nômade_ali e #SAL

e no Instagram nomade_ali e hashtagsal_oficial

 

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